Sucesso na direção da Valentino, Pierpaolo Piccioli não quer se ver como ícone de moda!!
NOVA YORK - O italiano Pierpaolo Piccioli, o diretor-criativo da Valentino, estava tranquilo na tarde de nosso encontro, na última quarta-feira, em Nova York, no Bowery Hotel. Sabe aquela calmaria que vem depois da tempestade? O sentimento era exatamente esse. Na manhã do dia anterior, o estilista havia apresentado a coleção resort 2018 da maison. Os aplausos que ouvimos quando o designer entrou na passarela indicavam que ele tinha feito um strike — mais um em sua longa carreira (só na grife ele está desde 1999). No backstage, veio a confirmação: uma pequena multidão se espremia para cumprimentar Pierpaolo, que repetia grazie a cada abraço caloroso. Sucesso confirmado pelo brasileiro Cacá de Souza, embaixador global da marca, que comemorou: “A atriz Maggie Gyllenhaal acabou de me dizer que quer tudo”.
Antes de começarmos formalmente a entrevista, Pierpaolo pede licença para fumar um cigarro na calçada do hotel. Depois de cinco minutos, ele retorna. Num primeiro momento, o foco é o desfile, o seu quinto no ano. Ele diz que a apresentação é uma resposta à onda de ódio que tomou conta do mundo. Nesta coleção da Valentino, diferentes culturas se encontram e convivem harmoniosamente.
— Quis representar a sociedade, a complexidade da vida. Individualidade, liberdade e diversidade não são palavras-chaves apenas para a moda, são fundamentais para a vida. E a verdadeira moda tem que tocar nesses valores em que eu acredito — explica o estilista.
GET DOWN
Completamente à vontade na poltrona, o designer, acompanhado por duas assessoras, parte do protocolo, detalha o resort da Valentino. Ele cita o “espírito esportivo das ruas” como uma referência. Na sequência, reforça a ideia de “integração de culturas”, destacando a presença do hip-hop neste trabalho. A grife está flertando descaradamente com o streetwear e, consequentemente, com a roupa do dia a dia. São outros tempos na Valentino.
— Talvez seja um novo modo de ver o mundo — observa Pierpaolo. — E o que é novo hoje? É fazer conexões e colocar tudo junto para criar algo que soe inovador. A geração jovem de agora é mais livre para experimentar. Quero essa liberdade para misturar elementos — diz.
Na passarela do resort 2018, os vestidos românticos e femininos disputavam a atenção de editores de moda com as peças urbanas influenciadas pelo sportswear e pelo hip-hop. Pierpaolo entrega que “The get down”, o seriado da Netflix, é uma referência (a empresa de streaming anunciou na quinta o cancelamento da série após a primeira temporada):
— A série não é somente sobre a história do hip-hop, é também sobre gente — afirma.
Diante deste contexto, fez todo o sentido que Nova York, cidade cosmopolita e berço do estilo musical eleito pelo designer, tenha sido escolhida como palco para o desfile. Sem contar que é um lugar estratégico para a marca.
— Nova York é um local incrível. Sinto a energia das pessoas, noto que elas têm a cabeça aberta. A cidade está para as pre-collections como Paris para a alta-costura. É o espaço ideal para este tipo de projeto, uma apresentação técnica para a imprensa e convidados.
O resort 2018 é a sexta coleção que Pierpaolo Piccioli desenha sem Maria Grazia Chiuri, que, em julho de 2016, trocou a Valentino pela Dior. Foi praticamente o fim de um casamento. A dupla convivia há 26 anos, os últimos 17 na marca italiana. Eles foram contratados pelo próprio Valentino Garavani, o fundador da casa, no final da década de 1990, ao se destacarem no departamento de acessórios da Fendi — Pierpaolo e Maria Grazia, inclusive, estavam na casa romana na época em que a Baguette, a percussora das it-bags, foi desenvolvida.
— Quando você trabalha com alguém, num ambiente respeitoso, é preciso chegar a um ponto de vista comum. O que muda é que sozinho é mais pessoal, emocional, instintivo e espontâneo.
PÉ DE VALSA
De personalidade forte, gentil, pé de valsa (sua desenvoltura na pista foi elogiada na festa que a marca armou na terça-feira) e sonhador assumido, Pierpaolo Piccioli confundiu fashionistas nos dias que antecederam o desfile. No Instagram da Valentino, foram postadas fotos de modelos vestindo camisetas estampadas com a frase “Pink is punk”. Questionado se o rosa substituirá o vermelho-símbolo da marca, ele faz uma pausa e diz preferir não entrar nesse mérito, mas concentrar sua energia na defesa do tom.
— Adoro mudar os significados das cores. Não acho que o meu rosa seja doce. Para mim, ele é punk — observa o estilista, que revirou o baú da grife italiana e trouxe de volta, à sua maneira, uma estampa floral de 1972. — Não gosto de ver as roupas do Sr. Valentino, prefiro as fotos. Ao olhar para uma imagem, relaciono-a com uma sensação. Se vou aos arquivos pegar nos vestidos, perco a sensibilidade da minha arte.
Pai de três filhos (Benedetta, 19; Pietro, 17; e Stella, 10) e casado há 23 anos com Simona, Pierpaolo vive em Nettuno, sua terra natal, e pega o trem todos os dias para Roma, onde fica a sede da Valentino. A família o ajuda a manter os pés no chão e a não se deslumbrar com a profissão.
— Não posso me ver como um ícone da moda. Eles costumam ser distantes, e eu não sou assim. Gosto de interagir e entender as pessoas, compartilhar momentos. Tenho joie de vivre.
E como ele faz para manter a paixão pela moda e pela criação depois de tantos anos?
— Penso que a moda é uma chance para eu me expressar e não me esqueço disso.
Encerrada a entrevista, vamos para a calçada em frente ao hotel, onde Pierpaolo Piccioli acende outro cigarro. Ele conta que já trabalha no verão 2018 masculino e na alta-costura para o inverno 2017/2018. Como consegue?
— Tenho um time para cada linha e amo diversidade — despede-se.
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